quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Resto

Obviamente eu não escreveria sobre a guerra, eu a odiava, não saberia sobre o que falar, a não ser de ódio, e eu não gostaria de espalhar ódio para os que leem o jornal, todos já estavam contaminados demais por ele, todos nós havíamos perdido demais com a guerra, inclusive eu.
Segui meu rumo, no elevador me sentia aflita, queria sair logo daquele lugar, queria respirar, não aguentava mais, me sentia totalmente presa, cheguei no térreo, ouvi alguém me chamar, certamente era o porteiro, dei as costas e fingi não o escutar, cheguei na rua às pressas, respirei fundo, e comecei a caminhar sem rumo.
Eu estava no centro da cidade, podia ouvir os sons das buzinas, de pessoas conversando, do comércio, de gritos, mas a cidade parecia vazia, os prédios falavam, as paredes gritavam, gritavam com cartazes, pichações, era como um grande coração pulsando, um coração cinza, e deteriorado. Toda aquela situação, a atmosfera pesava sobre mim, e me sufocava, segui para a parada de ônibus mais próxima, e fiquei a esperar, sentia frio e nervosismo, resolvi acender então um cigarro, meus dedos trêmulos acendiam o isqueiro na rua vazia, dei uma longa tragada enquanto fitava o céu, me lembrei de minha mãe, ela sempre teve grandiosos planos para mim, mas eu não poderia ser o que ela queria, eu não era o suficiente, eu a decepcionei, isso era algo que me chateava, minha mãe fora uma grande mulher, e todos criaram expectativas sobre mim, mas eu não sou ela, e nunca vou ser, eu sou apenas eu, e isso é tudo o que eu posso ser, nada além de mim.

Carros, e pessoas passavam, mais cinzas do que nunca, o mundo era sem cor. Com o tempo meu ônibus chegou, e eu subi, o motorista me olhou de cima a baixo, com olhos que demonstravam algum tipo de perversão, me senti enojada, homem imundo, o encarei fazendo cara de desdém, e ele apenas virou o rosto e deu de ombros, a cobradora era uma mulher com um semblante infeliz, não olhava nos olhos das pessoas, se restringia a olhar apenas para o dinheiro, e nada mais, ela certamente odiava estar ali, haviam poucas pessoas no ônibus, e as poucas pareciam todas ausentes de suas cascas, avoadas, caladas, fitavam a rua com o olhar distante, seus corpos estavam presos ao chão, já suas almas e consciências, as levavam para um universo totalmente distante, algo somente deles.

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